Sei que já falaram um monte sobre o livro. Que mulheres ao redor do mundo se apaixonaram perdidamente pela história do milionário-traumatizado-controlador-possessivo Christian Grey e da jovem-inocente-virgem-corajosa Anastasia Steele. Mas eu arrisco dizer que “Cinquenta tons de cinza”, da escritora E L James, chega agora a uma nova etapa, depois de vender 67 milhões de exemplares (2,4 milhões só no Brasil).
Além da trilogia (completada com “Cinquenta tons mais escuros” e “Cinquenta tons de liberdade”) estar prestes a se tornar filme, se você não leu o livro ainda alguma amiga vai te empurrar os três volumes com argumentos convincentes. E você vai ficar tão curiosa que vai ceder. Enquanto isso, seus amigos meninos não sabem mais o que fazer para se defenderem das comparações com Christian Grey.
Eu já tinha lido partes do primeiro livro, logo que foi lançado, e achei machista. Um enredo em que o sujeito determina como a namorada deve se comportar ou não, que na cama ela tem que se submeter a desejos, digamos, diferenciados e dolorosos, não me pareceu nem um pouco uma mensagem interessante num mundo em que homens ainda se acham com mais direitos do que as mulheres, incluindo aí o direito de tratá-las com violência.
Um dia, numa troca de mensagens via Facebook com um amigo, em que falávamos sobre o livro e sobre machismo, ele disse: “Me revolta as mulheres dizerem que amam esse cara e a tamanha submissão da protagonista”. Fiquei intrigada. Porque sabia que os homens estavam incomodados, mas não imaginava que seria tanto. No outro extremo, minha amiga, uma mulher inteligente e que, como eu, critica toda e qualquer atitude machista, adorou a trilogia e passou quase um dia inteiro me dizendo que eu PRECISAVA ler e praticamente jogou nos meus braços os livros. Pensei: “Pode render um post polêmico. Vamos lá”.
Sim, gostei da história, que é daquelas que você praticamente não consegue parar de ler. A autora constrói muito bem o suspense de um capítulo para o outro, sempre dando pequenas pistas que vão explicando porque raios Christian Grey age do jeito que age, de onde vem o trauma dele. A trama psicológica que o envolve desperta interesse. A história tem ritmo, o que funcionará bem no cinema. É o mesmo princípio de outros grandes sucesso literários que se transformaram em blockbusters: “Harry Potter”, “Crepúsculo” e mesmo “Comer, rezar, amar”.
Não, o texto não é nada brilhante. E, sinceramente, não acredito que tudo que a gente leia tenha que ser poético e intelectualizado. Eu leio, até por causa do mestrado, autores com teorias complexas e textos pesados. Isso não me impede de curtir uma leitura fácil por lazer. Detesto os intelectualóides de plantão que dedicam a vida a rebaixar os livros que são um sucesso estrondoso e conquistam um novo público. Gente chata.Poréeem… Nem é o sexo a grande estrela do livro. O que conquista a mulherada é um princípio muito, muuuuito antigo: romance em doses cavalares. Bem no estilo daqueles livrinhos que sua mãe ou avó comprava na banca de jornal com títulos como “Julia”, “Sabrina”, com heroínas virginais e heróis salvadores. A única diferença é que “50 tons” é contemporâneo. No decorrer da história, Christian, graças ao amor de Anastasia (que é uma moça forte, no fim das contas), muda para melhor, cura seus traumas. A possessividade dele ganha uma explicação plausível.
Por trás do controle sobre ela existia a freudiana ideia de “proteção”, que entra década sai década a maioria das pessoas continua a enxergar como uma obrigação masculina em relação à amada. O que me incomodou é que essa proteção não é só física e emocional. Mas também financeira. O velho inconsciente de que o homem tem que prover. E como a mulher é “frágil” demais, ela precisa que ele “cuide” dela pelo dinheiro e ela “cuide” dele mantendo casa e família em harmonia. Cuidar de quem a gente ama é super gostoso. Desde que seja recíproco e não uma regra determinada por convenções sociais. No fim de tudo, “50 tons” é apenas um romance (em que o cara repara o novo corte de cabelo dela! Rá!), com trama psicológica que desperta curiosidade, uma cena quente aqui, outra ali…